Download: Episódio 3 – A vida não se resume em festivais

No verbete “Festivais de Música Popular” do Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira, é estabelecida a importância dos festivais na história da Música Popular Brasileira, na qual “cumpriram (e ainda o fazem na atualidade) a função de revelar intérpretes, compositores e instrumentistas ao grande público”, demarcando os anos 1930 como o início dos festivais, a partir de certames de músicas de carnaval.

Zuza Homem de Mello, entretanto, afirma que já em 1919, “embora sem muita repercussão”, foi realizado um concurso de músicas carnavalescas, organizado por Eduardo França, no Rio de Janeiro (A era dos festivais: uma parábola, Zuza Homem de MELLO, Editora 34, 2003).

Embora apontado como pioneiro entre os festivais de música popular, ou da canção conforme a designação dada pelos organizadores, o I Festival da TV Excelsior, realizado em 1965, foi precedido pela realização do I Festival da Rede Record em dezembro de 1960, também referido como I Festa da Música Popular Brasileira:

I Festa da Música Popular Brasileira, realizada no Guarujá, foi marcada por quatro dias de programação cheia, que na sua imensa maioria nada tinha a ver com música. Entre as 21 composições finalistas que concorreram e, mesmo entre os músicos que as interpretaram, a repercussão musical foi mínima. A “Canção do Pescador”, de autoria do pianista carioca Newton Mendonça, pouco conhecido na época, seria a campeã. Porém, até mesmo o prometido LP do festival nunca saiu (Produção, Comunicação e Consumo Musical no Brasil no início do século XXI: O estudo de caso dos festivais de música independente realizados no país e vinculados à Abrafin, Wyllian Eduardo de Souza CORREA, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2012).

A primeira edição do Festival Nacional de Música Popular Brasileira foi promovida, em 1965, pela TV Excelsior de São Paulo, tendo como vencedora a canção Arrastão, de Edu Lobo e Vinícius de Morais, interpretada por Elis Regina. No ano seguinte, a segunda edição foi vencida por Geraldo Vandré e Fernando Lona, com a música Porta Estandarte, defendida por Airto Moreira e Tuca:

Carvalho aponta como motivação para o surgimento dos festivais, os “eventos que ocorriam nos palcos paulistas e cariocas na primeira metade da década de 1960” (O FIC maravilha nós gostamos de você: música e festivais em tempos de chumbo, Felipe Araújo de CARVALHO, Universidade Federal do Paraná. 2008), precedidos pelos programas que buscavam transportar para a televisão o clima das apresentações ao vivo que artistas como Nara Leão e Elis Regina faziam nos ambientes universitários.

A base para o modelo brasileiro foi estabelecida por Solano Ribeiro, primeiro na TV Excelsior e depois na TV Record, a partir do modelo do italiano Festival de San Remo, que “modificou um ponto fundamental, incentivando a inscrição dos próprios músicos” (CORREA), para evitar a interferência da indústria fonográfica.

Realizado em 1965, o I Festival Nacional da Música Brasileira teve 3 etapas eliminatórias, cada uma com a apresentação de 12 músicas, selecionadas entre as 1290 inscritas: a 1ª eliminatória ocorreu no dia 27 de março, em Guarujá (SP); a 2ª no auditório da TV Excelsior, em São Paulo (SP), e a última no dia 3 de abril, no Hotel Quitandinha, em Petrópolis (RJ). Em cada etapa preliminar foram selecionadas 4 músicas, totalizando 12 concorrentes aos prêmios de NCr$ 12 milhões para o primeiro lugar (equivalente em 2018 a aproximadamente R$ 160 milhões!), NCr$ 5 milhões para o segundo lugar e, respectivamente,  NCr$ 3 milhões, NCr$ 2 milhões e NCr$ 1 milhão para as músicas classificadas do 3º ao 5º lugar.

No dia 6 de abril, com transmissão ao vivo diretamente do Teatro Astoria, sede da TV Excelsior Rio, canal 2, no Rio de Janeiro, aconteceu a grande final, mas com a apresentação de 13 músicas, já que o júri da 2ª eliminatória havia decidido classificar uma música a mais.

A quinta colocada foi “Cada vez mais Rio”, de Luiz Carlos Vinhas e Ronaldo Bôscoli), com “Queixa”, de Zé Kéti, Paulo Tiago e Sidney Miller em quarto lugar e “Eu só queira ser”, de Vera Brasil e Mirian Ribeiro em terceiro.

“Canção do amor que não vem”, de Baden Powell e Vinicius de Moraes foi classificada em segundo lugar, interpretada por Elizeth Cardoso, cabendo a “Arrastão”, de Edu Lobo e Vinicius de Moraes o primeiríssimo lugar, com magnífica apresentação de Elis Regina.

“Em 1966, Excelsior, Record e Globo já possuem seus festivais televisivos, que disputam entre si uma hegemonia que quase sempre ficava com a Record, de Solano Ribeiro, o produtor do primeiro festival, na Excelsior, mas que a preço de ouro se transferira para a concorrente” (CARVALHO), com audiência crescente e impulso da indústria fonográfica.

No novo modelo, havia um outro elemento: o público. Nascia, embora timidamente, um novo gênero de programa de televisão, no qual a plateia se manifestava e torcia. Como no futebol, havia competição. Em vez dos jogadores e times, cantores e compositores. Em vez dos estádios, os auditórios. Nascia uma nova torcida no Brasil, a torcida pelas canções. (…) E ainda mais, pela primeira vez na história da televisão brasileira, quem estava em casa tinha um contato direto com o que acabava de sair do forno, a nova usina de produção da música popular, a privilegiada geração dos anos 60. Esse público tinha liberdade de avaliar de imediato a nova canção, influenciado ou não pelas plateias. Liberdade de avaliar era um direito de cada cidadão, num país em que a liberdade de pensar vinha sendo tolhida pouco a pouco havia quase um ano (MELLO).

No final de 1965, segundo Zuza Homem de Mello, Solano Ribeiro foi informado que o festival da TV Excelsior, em 1966, seria realizado com eliminatórias em 5 cidades: Guarujá (SP), Porto Alegre (RS), Recife (PE), Ouro Preto (MG) e Rio de Janeiro (então Estado da Guanabara), cada uma com 10 músicas, selecionadas entre 2.779 inscritas. Descontente, o diretor e criador do festival da Excelsior demitiu-se da emissora. Para seu lugar foi contratado o cineasta Roberto Palmieri.

A primeira eliminatória foi realizada no Guarujá, no dia 29 de abril, classificando as canções “Bem bom no tom”, “Motivos” e “Joga a tristeza no mar”.

“Cidade vazia”, interpretada por um até então desconhecido Milton Nascimento; “Mensagem”, apresentada por Cláudia, outra cantora iniciante, e “Se a gente morresse de amor”, cantada por Silvinha, foram as classificadas na 2ª eliminatória, realizada no dia 6 de maio, no Teatro da Reitoria da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

A fase eliminatória seguinte foi realizada em Recife, no dia 13 de maio, classificando as músicas “Acalanto”, “Inaê” e “Perdão”.  Na penúltima eliminatória, realizada na Praça Tiradentes, em Ouro Preto, na fria noite de 20 de maio, as músicas classificadas foram “Irremediavelmente”, “Canção para um maiô azul com bolinhas brancas “ e “Porta estandarte”.

 

Apresentação do cantor Djalma Dias na 4ª eliminatória do II Festival da TV Excelsior, realizada na Praça Tiradentes (Ouro Preto/MG), no dia 20/05/1966. Fonte: A era dos festivais, uma parábola, Zuza Homem de MELLO, 2003, Editora 34)

A lista das 15 classificadas seria completada com as classificadas na última eliminatória, realizada no auditório da TV Excelsior, no Rio de Janeiro, no dia 27 de maio: “Chora céu”, “Tic tac” e “Boa palavra”. Uma semana depois o juri resolveu fazer uma repescagem e classificou mais 4 músicas: “Comunhão”, “Fim de tristeza”, Prelúdio para um amor que começou” e Balança a roseira”.

Além disso, como 3 cantoras tinha classificado, cada uma, 2 músicas (Silvinha: Irremediavelmente e Se a gente morresse de amor; Maria Odete: Boa palavra e Perdão; Cláudia: Chora céu e Mensagem), o júri já havia decidido que elas deveriam optar por interpretar apenas uma na grande final. Assim, “Irremediavelmente” foi destinada a Érica Norimar, “Perdão” a Clara Nunes e “Mensagem” foi defendida por Djalma Dias. Como ele já havia classificado “Bem bom no tom”, na eliminatória do Guarujá, a música passou para Carmen Silva.

Mas não foi só isso de estranho a acontecer nesse festival. No domingo, 5 de junho, o jornal Folha de São Paulo, associado da TV Excelsior na divulgação do festival, divulgou anúncio, em página inteira, relacionando apenas 18 músicas, ficando de fora, sem nenhuma explicação, a música “Joga a tristeza no mar”, classificada na primeira eliminatória (Guarujá). “Onde teria sido jogada a música cantada pelo recifense Germano Batista?” é o questionamento apresentado por Zuza Homem de Mello (MELLO, 2003).

O anúncio dos vencedores começou pela atribuição de melhor intérprete a Djalma Dias, ganhador de um automóvel Gordini e vencedor de uma acirrada disputa em que 5 cantores ficaram empatados.

Em ordem inversa de classificação as músicas vencedoras foram:

  • 5º lugar: Boa palavra, de Caetano Veloso. Intérprete: Maria Odete;
  • 4º lugar: Cidade vazia, de Baden Powell e Lula Freire. Intérprete: Milton Nascimento;
  • 3º lugar: Chora céu, de Adílson Godoy e Luiz Roberto. Intérprete: Cláudia;
  • 2º lugar: Inaê, de Vera Brasil e Maricene Costa. Intérprete: Nílson;
  • 1º lugar: Porta estandarte, de Geraldo Vandré e Fernando Lona. Intérpretes: Airto Moreira e Tuca.

A TV Record promoveu quatro edições do Festival da Música Popular Brasileira, de 1966 a 1969. Na realidade, Em 1960, a TV Record, em associação com emissoras de rádio e com o jornal Última Hora, havia promovido a Festa da Música Popular Brasileira, realizado no Grande Hotel de La Plage, no Guarujá (SP), juntamente com o concurso de Miss Luzes.

A música vencedora foi “Canção do Pescador”, de Newton Mendonça, interpretada por Roberto Amaral. A despeito de promessas e contratos firmados, as TV’s Record e Rio, assim como as rádios Jornal do Comércio (Recife) e Guarani (Belo Horizonte) não transmitiram o evento, que só pôde ser acompanhado pelas rádios Record e Panamericana. Também não saiu o prometido LP do festival e apenas as músicas “Canção do pescador” e “Rimas de ninguèm” foram posteriormente gravadas. A primeira por Maísa Gata Mansa, em 1961, e a segunda por Myriam Ribeiro (1961), Alaíde Costa e Elizeth Cardoso (1963) e pela própria autora, Vera Brasil, em 1964.

Dessa forma, a primeira das 4 edições do Festival da Música Popular Brasileira, em 1966, passou a ser designado como II Festival da Música Popular Brasileira e foi idealizado por Solano Ribeiro, poucos dias depois de pedir demissão da TV Excelsior, numa época em que os programas musicais já eram os carros-chefe tanto da TV Record (Jovem Guarda, O fino da bossa, Show em Si… monal), quanto na TV Excelsior (Juventude e Ternura) e na TV Tupi (Na onda do iê-iê-iê).

Das 2.635 músicas inscritas, 36 foram pré-selecionadas para participarem das 3 eliminatórias, distribuídas por sorteio para apresentação nos dias 27 (classificadas “Disparada”, “Um dia”, “Lá vem o bloco” e “Canção de não cantar”), 28 de setembro (classificadas “Flor maior”, “Canção para Maria”, “A banda” e “Ensaio Geral”) e 1º de outubro (classificadas “De amor ou paz”, “Amor, paz”, “Jogo de roda” e “O homem”).

Segundo Zuza Homem de Mello, “nos dez dias seguintes, a cidade de São Paulo passou a viver em função do grande duelo marcado para a final do II Festival da Record. Nas rodas e reuniões, a discussão sempre desembocava nas preferências entre as duas músicas” (MELLO, 2003).

“Disparada” havia sido a mais aplaudida na 1ª eliminatória , cantada por Jair Rodrigues acompanhado pelo Trio Marayá e pelo Trio Novo, no qual havia uma estranha combinação de instrumentos: uma viola caipira, um violão e uma queixada de burro, cujos estalidos produziam uma sonoridade nunca vista, misto de amplificador e câmara de eco.

“A banda”, cantada por Nara Leão à frente de uma “bandinha de coreto do interior”, foi mal ouvida em virtude da voz de Nara ser sobrepujada por instrumentos como tuba e bumbo, mas foi muito aplaudida por um grupo que se assemelhava a uma torcida organizada.

Na noite de 10 de outubro, Blota Jr, que havia apresentado as eliminatórias junto com Sônia Ribeiro, foi substituído por Randal Juliano, pois estava impedido por ser candidato a deputado estadual. A disputa entre o que o jornal O Estado de São Paulo, em analogia futebolística, chamou de Associação Atlética Disparada e Banda Futebol Clube, era tão acirrada que a imprensa começou a especular sobre a possibilidade de um empate. Curiosamente, a ordem de apresentação era decidida por sorteio, realizado por uma pessoa da plateia, a cada música. Jair Rodrigues abriu a noite, com “Disparada”, seguida por “Canção de não cantar” (MPB4), “De amor ou paz” (Elza Soares), “Canção para Maria” (Jair Rodrigues), “Lá vem o bloco” (Leny Eversong) e, só então, “A banda” (Chico Buarque/Nara Leão) foi sorteada e apresentada. Inclusive de uma maneira diferente daquela vista na 2ª eliminatória, em uma tentativa de corrigir o problema do sufoco imposto à voz de Nara Leão pelos instrumentos da bandinha. Chico, acompanhado somente do violão cantou a música que, em seguida, foi “reprisada” por Nara, ainda assim acompanhada da tuba, bumbo e outros instrumentos da banda marcial.

A sequência de apresentação das músicas teve “Amor, paz” (Maysa), “Ensaio geral” (Elis Regina), “Jogo de roda” (Elis Regina), “Flor maior” (Roberto Carlos), “Um dia” (Maria Odete) e “O homem” (Nara Leão), todas extremamente prejudicadas em termos de recepção do público, que já estava irremediavelmente dividido entre “Disparada” e “A banda”.

A divisão era de tal ordem que o apresentador Randal Juliano anunciou a reapresentação de algumas músicas, alegadamente devido a dúvidas, mas numa clara manobra de dar mais tempo aos jurados que, em uma primeira votação, deram 7 votos para “A banda” e 5 para “Disparada”.

Para que a história seja melhor entendida, reproduzimos a seguir um trecho de Zuza Homem de Mello em A era dos festivais: uma parábola (p.136-138), cuja leitura é recomendada com ênfase a quem se interessa pelo assunto:

Enquanto o júri estava decidindo, Chico Buarque, já desconfiado de que iria ganhar, ouviu alguém afirmar: “Você ganhou”. Parecia uma grande notícia, mas Chico foi para perto de Paulinho Carvalho e disse:

– Olha aqui, não deixa eu ganhar de “Disparada”. Eu não posso levar esse prêmio sozinho.
– Como? O júri é que decide.
– O júri pode decidir o que quiser. Eu não quero levar esse prêmio sozinho. Se “A banda” for a primeira, eu devolvo o prêmio em público.

Depois de muita conversa decidiu-se pelo empate e pela divisão do prêmio, mas ainda uma outra questão apareceu. Quando tudo parecia acertado, Mário Lago, membro do júri, teria colocado, como condição para aceitar o arranjo, que a música “Ensaio Geral”, de Gilberto Gil, que não havia sido incluída entre as 5 primeiras colocadas, fosse classificada em quinto lugar. Todos concordaram, mas Zuza Homem de Mello não informa qual música foi rebaixada em favor de “Ensaio Geral”.

Nas demais posições, “Canção de não cantar”, de Sérgio Bittencourt, ficou em 4º lugar; “Canção para Maria”, de Paulinho da Viola e José Carlos Capinan, foi a 3ª colocada, cabendo o 2º lugar a “De amor ou paz, parceria entre Adauto Santos e Luiz Carlos Paraná.

Jair Rodrigues ganhou ainda o Troféu Viola de Prata, como melhor cantor e “Um dia”, de Caetano Veloso, foi escolhida como melhor letra, rendendo ao compositor uma viagem à Itália para assistir o Festival de San Remo, cortesia do jornal O Globo.

Em 1967, a segunda edição, mais tarde conhecida como festival da virada, foi marcado pelo co-protagonismo do público, demonstrando disposição e fervor na torcida por algumas canções e, até mesmo, inviabilizando uma apresentação, como foi o caso de Sérgio Ricardo que, irritado com as vaias na semifinal, quebrou seu violão e atirou os pedaços em direção à plateia.

Nos bastidores, os organizadores não estavam menos ansiosos. Aquele festival mostrara-se diferente das edições anteriores. Quatro das cinco finalistas tinham chance de vencer, tornando a disputa acirradíssima. Era uma festa protagonizada por garotos de pouco mais de 20 anos. Era também uma batalha, que se desenrolava simultaneamente no palco e nos bastidores. No palco, a disputa era entre Alegria, Alegria; Roda Viva; Domingo no Parque; Ponteio e a obscura Maria, Carnaval e Cinzas, a única a não entrar para a história da MPB. Mas era também entre o violão e a guitarra elétrica, entre a MPB “tradicional” e a novidade da nascente Tropicália. Nos bastidores, a batalha era para que tudo desse certo. “Tudo”, no caso, era levar a bom termo um grande evento transmitido ao vivo pela televisão, o que era um imenso desafio naquele longínquo final dos anos 1960. E também incluía administrar crises de pânico, buscar artista que estava bebendo no botequim em cima da hora de sua apresentação, garantir que nenhum artista se apresentasse vestido de forma inconveniente (Lucila Soares. ‘Uma Noite em 67’: O festival que mudou a música popular brasileira, Veja.com. Postagem: 30/07/2010. Disponível em: <https://veja.abril.com.br/entretenimento/uma-noite-em-67-o-festival-que-mudou-a-musica-popular-brasileira/>. Acesso em: 22/02/2018).

O resultado final apresentou Ponteio (Edu Lobo e Capinam) como vencedora, tendo Domingo no Parque (Gilberto Gil), Roda Viva (Chico Buarque), Alegria, Alegria (Caetano Veloso), Maria Carnaval e Cinzas (Luiz Carlos Paraná) e Gabriela (Maranhão) classificadas, respectivamente da segunda à sexta posições.

O documentário “Uma Noite em 67”, dirigido por Renato Terra e Ricardo Calil, usa imagens de arquivo e apresentações de músicas como “Roda Viva”, “Alegria, Alegria”, “Domingo no Parque” e “Ponteio”, para registrar o momento do tropicalismo, os rachas artísticos e políticos na época da ditadura militar e a consagração de nomes que se tornaram ídolos até hoje no cenário musical brasileiro.

Um aspecto interessante é que Caetano Veloso e Gilberto Gil utilizaram guitarras elétricas nos arranjos das músicas, respectivamente acompanhados pelo grupo argentino Beat Boys e pelos Mutantes. Além disso, em 17 de julho, poucos meses antes da finalíssima do festival, aconteceu uma manifestação em São Paulo, contrária ao uso da guitarra elétrica na música brasileira.

Vista assim, há 50 anos de distância, pode parecer bastante ridícula – e de fato é – mas, à medida em que nos aproximamos dos fatos de então a coisa, apesar de permanecer ridícula, faz algum sentido. Ainda que ridículo, ele existe. O objetivo na época era defender a nossa música da “invasão estrangeira”. Em 1967, a música estrangeira, sobretudo, os Beatles, dominava as rádios brasileiras. Havia, de fato, uma disputa insana de espaço entre os artistas. Até os dias de hoje, diante da questão mal resolvida, aparecem leis como a do ex-deputado Rogério Silva, de 2003, que obriga às emissoras a terem 50% de suas programações em português. Na França, por exemplo, a lei exige que 40% das canções transmitidas pelas rádios sejam cantadas em francês. Na Irlanda o percentual é de 30% (Julinho BITTENCOURT. Os 50 anos da Marcha Contra a Guitarra Elétrica, Revista Forum. Postagem: 15/07/2017. Disponível em: <https://www.revistaforum.com.br/os-50-anos-da-marcha-contra-guitarra-eletrica/>. Acesso em: 22/03/2018).

Na edição de 1968, de acordo com o júri especial, a vencedora foi “São, São Paulo, meu amor” (Tom Zé). “Mémórias de Marta Saré (Edu Lobo e Gianfrancesco Guarnieri) ficou em 2º lugar e “Divino Maravilhoso” (Gilberto Gil e Caetano Veloso) classificou-se em 3º, conduzindo Gal Costa ao estrelato e rendendo à turma da Tropicália um programa na emissora.
Tom Zé, em parceria com Rita Lee, também classificou “2001” em quarto lugar, cabendo a “Dia da graça” (Sérgio Ricardo) o quinto lugar e a “Benvinda” (Chico Buarque) o sexto, também contemplada com o primeiro lugar pelo júri popular.

A história dos Festivais da Record terminaria em 1969, com um prêmio de melhor letra para “Moleque”, do novato Gonzaguinha, e a vitória de “Sinal Fechado”, de Paulinho da Viola, defendida por ele mesmo. “Clarice”, de Eneida e João Magalhães; “Comunicação”, de Edson Alencar e Hélio Mateus, “Tu Vais Voltar”, de José Ribamar e Romeu Nunes; “Gostei de Ver”, de Eduardo Gudin e Marco Antônio Ramos e “Monjolo”, de Dino Galvão Bueno e Eric Nepomuceno, foram as demais músicas classificadas do 2º ao 6º lugares.

Mais longevo dos festivais, o Festival Internacional da Canção Popular (FIC) custou a engrenar. Lançado em 1966 por iniciativa da Secretaria de Turismo do então Estado da Guanabara, governado por Negrão de Lima, o Festival Internacional da Canção Popular (FIC), transmitido pela TV Rio, no primeiro ano, e pela TV Globo a partir do ano seguinte, totalizou sete edições, até 1972. Mas foi apenas em 1968 que ele provocou o barulho esperado.

O evento foi idealizado por Augusto Marzagão, um ex-seminarista e ex-repórter policial convertido em assessor político. Marzagão disse ao governador eleito da Guanabara, Negrão de Lima, que gostaria de organizar um festival de música que fosse internacional, o que o diferenciaria das versões realizadas naquele mesmo ano pela TV Excelsior e pela TV Record. Um festival que contribuísse para promover o Rio de Janeiro no exterior. Foi autorizado a apresentar um orçamento e a fechar parceria como uma emissora de TV.

Walter Clark, diretor da Globo, não demonstrou interesse. Erlon Chaves, diretor musical da TV Rio, foi mais receptivo. Negócio fechado, o retorno ficaria bem acima das expectativas da emissora, que contabilizou nada menos que 45 pontos de audiência na primeira eliminatória e terminaria a noite da grande final nacional com 62% dos aparelhos sintonizados nela, marca que saltou para 72% na final internacional.

O sistema proposto por Marzagão consistia em duas etapas sobrepostas. A etapa nacional premiaria três canções após duas eliminatórias e uma final. A grande vencedora representaria o Brasil na segunda etapa, internacional, concorrendo com composições de diversos países. O cenário escolhido foi o Maracanãzinho, alvo de muitas críticas por parte de cantores, músicos, jurados e jornalistas, uma vez que não houve técnico capaz de salvar a péssima acústica do ginásio.

O repertório era outro ponto fraco. Tachado de “triste” e “lento demais” pela crítica especializada, não convenceu o público, treinado pelos festivais anteriores, tanto o da Excelsior e quanto o da Record, a esperar músicas mais envolventes e vibrantes. Das 28 canções selecionadas para serem defendidas nas duas eliminatórias consecutivas, 14 por noite, duas despontaram como as de maior qualidade segundo a crítica: “Saveiros“, de Dori Caymmi e Nelson Motta, interpretada por Nana Caymmi, e “Canto Triste”, que era triste até no título, composta por Edu Lobo e defendida por Elis Regina.

Classificadas para a final, “Saveiros” foi anunciada como campeã, enquanto “Canto Triste” não foi selecionada entre as três primeiras. O público protestou. Embora não seja possível apontar a canção favorita do público, foi sob vaias que a multidão acompanhou a apresentação de Nana após o anúncio. Deu-se ali, naquele dia, o início de uma tradição que marcaria a história dos festivais: vaiar as canções que não contavam com sua torcida.

Em segundo lugar ficou “O Cavaleiro”, de Tuca e Geraldo Vandré, e em terceiro “Dia das Rosas”, de Luís Bonfá e Maria Helena Toledo. Na fase internacional “Saveiros”, interpretada por Nana Caymmi, foi classificada em 2º lugar (A vencedora foi Frag Den Wind, representante da Alemanha).

A segunda edição continuou morna. Com apoio e coprodução da TV Globo, para a qual o diretor geral Walter Clark havia contratado Boni para a função de diretor artístico, agora seriam dez as canções premiadas. O palco foi reformulado, graças a um investimento monumental da emissora, para tentar sanar os problemas de acústica, que jamais sumiriam por completo.

Mais uma vez, os shows não entusiasmaram nem os convidados estrangeiros, nem os jurados, nem o público. Enquanto o Festival da Record pegava fogo em São Paulo, misturando letras engajadas com excentricidades estéticas, confirmando-se como palco máximo do inconformismo, da manifestação e da vanguarda da música brasileira, o repertório do festival do Rio continuava apartado do estilo dos festivais. Apesar de toda a grandiosidade do FIC, sua programação era baseada em canções bem comportadas, que não se comprometiam nem compravam briga, incapazes de levantar a plateia.

O mérito daquela edição foi o de apontar holofotes para o jovem Milton Nascimento, que classificou três composições, todas inscritas à sua revelia por Agostinho dos Santos. O compositor, encantado com a música daquele rapaz, que atuava como crooner em boates de São Paulo, fez de tudo para convencê-lo a se inscrever no FIC. Diante da negativa do compositor, tímido demais para encarar um festival, inventou uma desculpa para gravar as fitas e as encaminhou à organização. Resultado: Milton emplacou “Travessia” em segundo lugar e “Morro Velho” em sétimo na final da etapa nacional.

Embora a campeã tenha sido “Margarida“ (que obteve o 3º lugar na fase internacional), de Gutemberg Guarabira, que mais tarde formaria um trio com Sá e Zé Rodrix, aquela edição entraria para a história da MPB como o festival de “Travessia”, a única grande novidade da temporada. O terceiro lugar ficou com “Carolina“, do infalível Chico Buarque, defendida por Cynara e Cybele.

A guinada do FIC viria em 1968, com a radicalização das torcidas e a consagração do evento. Pela primeira vez, o festival da TV Globo superou em tamanho, divulgação e legitimidade o festival da TV Record, emissora que começava a dar sinais de declínio, em grande parte gerado por erros de gestão e esgotamento de um modelo.

Dessa vez, haveria uma etapa paulista, realizada no Tuca, o Teatro da Universidade Católica (PUC), que precederia a fase nacional. Com a intenção de disputar o mercado paulista, dominado pela Record, e abrir espaço para as vibrantes canções tradicionalmente exibidas em São Paulo, definiu-se que oito finalistas sairiam dessa primeira etapa.

Na final paulista, a primeira surpresa. Hostilizado pela plateia ao subir ao palco com roupas e assessórios de plástico colorido para cantar “É Proibido Proibir“, acompanhado pelo grupo Os Mutantes, Caetano Veloso, que tinha saído aplaudido do Festival da Record no ano anterior, rebateu as vaias com um discurso ferino e inspiradíssimo. Um happening inigualável, uma bronca pública contra uma claque de jovens intolerantes que, na teoria, defendiam a democracia e a liberdade de expressão. A atitude era compreensível no contexto da época. Os universitários cobravam de Gil e Caetano um posicionamento claro contra os militares, e se irritavam com a opção deles por assumir bandeiras consideradas menos relevantes, como a defesa das guitarras, dos cabelos compridos, da liberdade sexual.

Eram tempos de ânimos exaltados, e a polarização só faria aumentar. Embora classificado, Caetano decidiu não participar da final nacional no Rio de Janeiro, duas semanas depois. Ali, as vaias se voltaram contra a canção “Sabiá“, de Tom Jobim e Chico Buarque. Apenas Tom estava presente ao estádio, e saiu massacrado. À medida que os apresentadores anunciavam as dez premiadas, o público ia tirando suas conclusões. A multidão já suspeitava, pela repercussão que tiveram, que os dois primeiros lugares ficariam entre “Sabiá” e “Pra Não Dizer Que Não Falei De Flores“, de Geraldo Vandré, também conhecida como “Caminhando”. Bastou que a canção de Vandré fosse confirmada na vice-liderança para que a multidão viesse abaixo, inconformada.

A canção de Vandré tinha se tornado um hino não apenas do movimento estudantil, mas também daqueles que se encaminhavam para a resistência armada, uma constante às vésperas do AI-5. “Há soldados armados, amados ou não/ Quase todos perdidos de armas na mão/ Nos quartéis lhes ensinam antiga lição/ De morrer pela pátria e viver sem razão”, diz a letra. Em contrapartida, “Sabiá” era uma romântica canção do exílio, feita à maneira das modinhas de Villa Lobos, com muito mais densidade harmônica do que a canção de Vandré, com apenas dois acordes. Isso era o que menos interessava à juventude presente ao ginásio. Para a maioria, o momento político exigia coragem e posicionamento. E Vandré, muito mais do que Chico e Tom, era o porta-voz daquela proposta estética e política.

À vontade no papel de vítima, Vandré pediu à plateia que relevasse a decisão do júri, lembrando que as vaias, se justas, deveriam ser direcionadas aos jurados, e não aos compositores da outra canção. Enfim, cantou. Quando foi a vez de Cynara e Cybele subirem ao palco, acompanhadas por um Tom Jobim atônito, em sua primeira e última participação num festival, Vandré permaneceu no palco, numa tentativa de aplacar os ânimos. Não houve trégua. Cynara e Cybele choravam enquanto repetiam a canção, sem se fazerem ouvir. E foi dessa manifestação, que tomamos emprestada a frase que dá título ao 3 episódio do radiodocumentário Rebeldes!: A vida não se resume em festivais.

E foi dessa manifestação, que tomamos emprestada a frase que dá título ao 3º episódio do radiodocumentário Rebeldes!: A vida não se resume em festivais.

Na semana seguinte, na final internacional, a recepção já foi bem mais educada. Campeã também dessa fase, algo inédito até aquela edição, “Sabiá” pôde ser apresentada sem mais contratempos. Chico e Tom puderem receber o prêmio numa boa. Duas semanas após o término do festival, veio a ordem inevitável: “Caminhando” foi proibida pelo governo federal de ser executada em rádios e locais públicos.

Outras edições se seguiram, culminando no 7º FIC, de 1972, com direção de Solano Ribeiro, o pai do formato, contratado pela Globo para substituir Marzagão. Duas grandes novidades vinham do mundo do rock: Raul Seixas, ainda desconhecido, classificou o rock-baião “Let me Sing, Let me Sing“, enquanto Sérgio Sampaio, outro estreante,apresentou aquele que viria a ser o maior sucesso de sua carreira: “Eu Quero É Botar Meu Bloco na Rua“. Maria Alcina foi a grande revelação em interpretação, defendendo “Fio Maravilha“, de Jorge Ben. Os intelectuais chegaram a fazer até manifesto a favor de “Cabeça“, música experimental de Walter Franco. Alceu Valença, Fagner, Belchior, Ednardo, Baden Powell e até um jovem compositor de 16 anos chamado Oswaldo Montenegro estavam entre os selecionados.

Dessa vez, a disputa nos bastidores foi ainda mais intensa do que diante das câmeras. De todos os tumultos, o episódio mais grave foi quando os militares entraram em contato com Walter Clark e pediram a cabeça de Nara Leão, presidenta do júri. Dias antes, ela havia criticado a ditadura numa entrevista ao Jornal do Brasil. O diretor-geral da Globo chamou Solano e deu ordens para que a demitisse. Solano ameaçou se demitir também, ciente do absurdo que seria cortá-la àquela altura, após a realização das eliminatórias.

Finalmente, optou-se por destituir o júri inteiro, numa tentativa de encontrar uma justificativa capaz de aplacar um eventual rebuliço na opinião pública. Um novo júri seria formado para a final, que confirmaria as duas vencedoras, alçadas automaticamente à final internacional: “Diálogo“, composição de Baden Powell e Paulo César Pinheiro defendida por Baden, Cláudia Regina e Tobias, e “Fio Maravilha”.

O 7º FIC terminou com baixa audiência, um público modesto (a média de 5 mil pessoas por noite estava muito aquém da esperada), críticas disparadas por toda a imprensa e um prejuízo estimado em 400 mil dólares. Em maio do ano seguinte, a Globo anunciou que o FIC não seria mais realizado, alegando falta de interesse dos patrocinadores.

O 7º FIC terminou com baixa audiência, um público modesto (a média de 5 mil pessoas por noite estava muito aquém da esperada), críticas disparadas por toda a imprensa e um prejuízo estimado em 400 mil dólares. Em maio do ano seguinte, a Globo anunciou que o FIC não seria mais realizado, alegando falta de interesse dos patrocinadores.

Naquele momento, a música brasileira e também a televisão já viviam outro momento. Os programas musicais já não exerciam o mesmo fascínio de meados da década anterior, já não puxavam a audiência dos canais nem cumpriam com o mesmo rigor o papel de revelar as novidades do mercado fonográfico, transferido gradativamente aos programas de auditório. Ao mesmo tempo, já em 1969, os acontecimentos pós-AI-5 tinham resultado numa diáspora dos mais importantes músicos de festival: Chico, Gil, Caetano e Vandré foram exilados, enquanto Elis afirmava publicamente que não renovaria contrato com a Record se uma cláusula a obrigasse a cantar em festivais.

A era dos festivais chegava ao fim, e todos os eventos desse tipo lançados posteriormente já não tiveram o mesmo impacto. Os grandes festivais ficaram na memória, ao mesmo tempo símbolos de utopia política e lugar da nostalgia cultural.

A despeito disso, estabeleceu-se de certo modo, um modelo que viria a ser replicado, guardadas as devidas proporções, em várias cidades do interior do país. Em Mariana, o 1º Festival de Música Popular foi realizado nos dias 15 e 16 de maio de 1971, no pátio do Colégio Providência, com decoração a cargo de Carlinhos Baeta, e teve como vencedora Canto do Boiadeiro, interpretada por Luiz D’Angelo, com letra de Geraldo Magela Reis e música de Silas Pedrosa Soares.

Capa do folheto de divulgação das letras das músicas concorrentes ao 1º Festival de Música Popular de Mariana
Letra da música “Canto do Boiadeiro”, vencedora do 1º Festival de Música Popular de Mariana

Infelizmente, muito pouco restou de documentação referente aos festivais de música realizados em Mariana a partir de 1971. Não há, inclusive, consenso entre Vanderlei Machado e Ozanan Santos, quanto ao número de festivais que eles organizaram. O pouco que se sabe é que somente o 1º festival foi realizado no Colégio Providência. As outras edições, ocorreram no salão do Ginásio Dom Frei Manoel da Cruz (atual Instituto de Ciências Sociais Aplicadas) e posteriormente na Praça Minas Gerais.

Além das duas músicas – “Transe” e “O cordão do vai quem quer”, conseguimos resgatar uma outra, chamada “Roteiros”, composta pelo setelagoano Flávio do Carmo, que teria participado do festival de 1977, mas o próprio autor não tem muita certeza dessa data.

Em termos de fotos, poucas lembranças restaram: