Download: Episódio 1 – Os loucos anos 60

Para entender o contexto no qual se insere este episódio do radio documentário Rebeldes!, uma boa introdução é o vídeo Cidade de Mariana, produzido em 1959, pelo INCE (Instituto Nacional de Cinema Educativo), com direção de Humberto Mauro, cujo uso foi gentilmente cedido pelo CTAv (Centro Técnico Audiovisual), vinculado à Secretaria do Audiovisual do MinC (Ministério da Cultura).

No início da década de 1960, a cidade de Mariana, situada a pouco mais de 100 km da capital Belo Horizonte, era uma cidade pacata, com pouco mais de 30 mil habitantes, 60% dos quais residiam na zona rural. Curiosamente, em relação a 1950, o Censo do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) apontava que a população do município havia encolhido exatos 8 pessoas. E até 1970, a população encolheria quase 24%.

Características de sexo e idade da população marianense, em 1970, que teve considerável redução em relação a 1960 (Fonte: Censo 1970, IBGE)

Os empregos disponíveis eram na Fábrica de Tecidos São José, na Rede Ferroviária Federal, na Companhia Minas da Passagem e na Alcan, situada em Saramenha, no vizinho município de Mariana, além de poucos estabelecimentos comerciais, principalmente armazéns e pequenas lojas.

Aparentemente não faltavam empregos, mas somente 28% da população era economicamente ativa.

Fábrica de Tecidos São José – Fotografia cedida por Márcio Eustáquio (Data provável: anos 40)
Estação da Rede Ferroviária Federal – Fotografia cedida por Márcio Eustáquio (Sem data)

Ao longo dos anos 60 essa situação começou a mudar drasticamente. A Fábrica de Tecidos foi fechada e começou um período de estagnação da oferta de emprego nas demais empresas.

Quase um quarto da população de Mariana, em 1960, tinha entre 10 e 19 anos, e faltavam escolas para o ensino secundário, equivalente hoje à fase final do ensino fundamental (6ª à 9ª série).

Com a transferência do Ginásio Arquidiocesano para Ouro Preto, em 1934, somente 20 anos depois, os jovens marianenses do sexo masculino passaram a ter no Ginásio Dom Frei uma opção de ensino, além do Seminário Menor N. S. da Boa Morte, localizado onde atualmente se encontra instalado o ICHS (Instituto de Ciências Humanas e Sociais) da UFOP (Universidade Federal de Ouro Preto). Para as moças havia o Colégio Providência, que oferecia ainda o Curso de Magistério.

Ginásio Arquidiocesano em Mariana, localizado no Palácio dos Bispos, atual Museu da Música – Fotografia cedida por Margareth Veisac Marton (Sem data)
Colégio Providência – Fotografia cedida por Margareth Veisac Marton (Sem data)

As opções de lazer eram reduzidas ao futebol nas tardes de domingo, às sessões no Cine Central e ao footing noturno na Praça Gomes Freire, conhecida como Jardim.

Uma outra opção, que não parecia ser bastante atrativa para a juventude, eram os bailes nos salões dos tradicionais clubes Guarany e Marianenses, rivais no futebol e também na política.

Até o início da década de 60 os bailes eram animados por conjuntos musicais como o Jazz Band Quiriri, com repertório composto por boleros,  sambas, samba-canções ,  valsas, fox e rumbas.

Na foto abaixo, só conseguimos identificação de NIquinho Walter no sax, Heli no piston, Zé Belarmino no trombone e Zé Assunção no Baixo

 

 

 

Jazz Band Quiriri – Acervo Álvaro Walter, sem data.

Álvaro Walter, músico e saxofonista já com fama adquirida, cria o Conjunto Serenata, do qual faziam parte 2 de seus irmãos, também integrantes da Banda União XV de Novembro.

Conjunto Serenata: da esquerda para a direita, Antônio “Fofoca” (guitarra), Geraldo “Dadinho” Walter (acordeon), Márcio Walter (piston), Silvério “Pezinho” (bateria), Ari Loreto (percussão) e Álvaro Walter (saxofone) Fonte: Acervo Álvaro Walter

Há quem diga que a cidade, naquela época, encarnava os versos de do poeta Alphonsus de Guimaraens, na letra do Hino de Mariana:

“Entre os coros das litanias
Que vêm do céu, na asa do luar,
Vivo de mortas alegrias,

Sempre a sonhar, sempre a sonhar!”

 

Em um cenário pouco promissor aos jovens, principalmente em termos de emprego, mas já com uma nova alternativa de estudo, devido a Escola Estadual Dom Silvério instalada precária e provisoriamente no antigo Palácio dos Bispos, alguns rapazes alimentavam um sonho: criar um conjunto musical.

A  inspiração, obviamente, eram os Beatles e também o movimento conhecido como Jovem Guarda, cujas canções eram ouvidas nos rádios, à época ainda verdadeiros trambolhões, cujo coração era compostos por válvulas.

É assim que Aloísio Rolim se junta a Zé Afonso Morais (que já tocava, ou andava frequentando os ensaios e as apresentações do Jazz Band Quiriri e, depois, do Conjunto Serenata) e chama seu irmão Marcelo Rolim para tocar uma bateria resgatada da primeira dessas bandas.

Um cabo de violão velho é utilizado para construir um contrabaixo elétrico, o “paitrocínio” de Lauro Morais, pai de Zé Afonso, garante uma guitarra e um amplificador e, assim, nascia o The Rebels, cujos primeiros ensaios foram no porão da casa de Zé Afonso, na Rua de Santana.

Algum tempo depois surgia, também na Rua de Santana, a banda Os Abutres. E, em poucos anos, o triunvirato musical estaria formado com o surgimento da banda Os Incas.